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A HISTÓRIA DAS LUVAS DE GOLEIRO

Rogger da Costa

Atualizado: 19 de ago. de 2022

Apesar de já termos contado várias histórias aqui, jamais falamos daquele que é, atualmente, nossa principal ferramenta de trabalho. Mas chegou o dia, vamos mergulhar na história de nossas melhores amigas:


Embora seja um equipamento tão importante, a história das luvas de goleiro é bastante controversa. Não há uma linha do tempo ou registro de evolução reconhecido em relação ao seu desenvolvimento, diferentemente das chuteiras e até das linhas do campo. Esse início nebuloso fez com que muitos goleiros fossem proclamados pioneiros nas luvas de goleiro, apesar de várias evidências dizerem o contrário. Isso não quer dizer que essas afirmações sejam incorretas ou até mentirosas, tem muito mais a ver com a essência da situação, que torna um par de luvas em um par de “luvas de goleiro”.


Talvez o maior exemplo seja o argentino Amadeo Raul Carrizo (12/06/1926 – 20/03/2020), que costumeiramente é reconhecido como ter sido o primeiro goleiro a usar luvas. Inclusive sua página na Wikipedia afirma isso e em 2010 até o jornal britânico Daily Telegraph informou aos seus leitores que Carrizo foi de fato o primeiro a vestir um par de luvas durante seu tempo no Rive Plate, por volta de 1940.


Provavelmente essa informação pegaria completamente de surpresa o goleiro escocês Archie Pinnell, que foi fotografado sentado em seu gol, em Dole Lane, casa do Chorley, na Lancashire League por volta de 1890 usando não só um par de luvas como também caneleiras e uma boina.


Outro equívoco comum é a crença de que o uso de luvas é um fenômeno relativamente recente, como compartilhado pelo NY Times em 2014. Lá no longínquo ano de 1885, um fabricante chamado William Sykes garantiu a patente para um par de “luvas de couro” ou “manoplas para futebol”. O design de Sykes incorporou uma cama de borracha indiana para proteger e amortecer o impacto nas mãos do goleiro. Porém, por motivos esquecidos pelo tempo, ele não deu sequência em sua ideia original e arquivou o design ao invés de entrar em produção em massa. Contudo, isso não impediu os goleiros de experimentas outras formas de luvas.


Quarenta anos antes do surgimento de Carrizo na América do Sul, um goleiro do País de Gales, Leigh Richmond Roose, que era ainda mais pioneiro que seu homólogo argentino, costumava entrar em campo com luvas brancas sempre que o tempo estava ruim. Um estudioso do jogo, Roose reconheceu precocemente os benefícios de usar luvas em más condições, mas não pensava duas vezes na hora de tirar quando o tempo melhorava e sempre disse preferir jogar com as próprias mãos.


Entre as guerras, os experimentos dos goleiros continuaram, alguns envolviam as mãos com bandagens e deixando apenas os dedos livres, como demonstrado por Bill Mercer, em Huddesfield, lá em 1925. Elisha Scott, do Liverpool, era adepto de luvas de lã bem grossa. Como pode-se ver em imagens das finais da Copa da Inglaterra de 1922 e 1924, também eram adeptos desse tipo de luvas James Mitchell, do Preston North End e Tommy Jackson, do Aston Villa, respectivamente.


Na Itália, Carlo Ceresoli começou a usar luvas de lã no clube e também na seleção, usou um par para jogar contra a Inglaterra, em 1934, assim como Giampiero Combi (o primeiro goleiro a ser campeão da Copa do Mundo como capitão). Porém, Combi optou por usar um par de luvas de couro. Anders Rydberg, da Suécia, também optou por luvas de couro quando jogou contra a Argentina, na Copa de 1934.


Ao final a segunda guerra mundial, as luvas de lã ainda eram a escolha preferida de muitos goleiros no Reino Unido, independentemente do clima. George Swindin, do Arsenal, por exemplo, optou por usar um par de luvas de lã nas finais da Copa em 1950 e 1952. Os Gunners venceram o Liverpool e depois perderam para o Newcastle United, respectivamente, e, apesar do clima ameno, Swindin, contrariando o que era frequente na época – ou seja, antes de 1970, onde só se usava luvas quando estava frio ou chovendo -, usou luvas durante todos os jogos.


As luvas de algodão, que eram muito mais vistas nas mãos de jardineiros, começaram a aparecer em muitos lugares, como alternativas às luvas de couro e lã. Alguns, como de costume, preferiam dispensas as luvas, pois tinham preferência por outros métodos de proteção. O goleiro Jack Kelsey, do Arsenal e País de Gales, é um exemplo, ele chegou ao ponto de esfregar pedaços de chiclete nas palmas das mãos antes de um jogo para tentar melhorar a “pegada”. Porém, mesmo essas novas variedades de luvas ainda sofriam com os mesmos problemas no mau tempo e, principalmente, na neve. Luvas de lã e absorvem a água e causavam dormência nos dedos. As luvas de couro tinham outro problema: em tempo ruim, o couro perdia a flexibilidade e dificultava [ainda mais] o jogo para o goleiro.


No entanto, apesar dessas limitações, goleiros como Gordon Banks acreditavam que as luvas eram uma parte essencial do equipamento de qualquer goleiro, especialmente se a bola estivesse escorregadia por algum motivo. Certa vez, falando ao Soccer Gift Book, de Chalie Buchan, em 1967, Banks aconselhou os jovens leitores a sempre levar um par consigo: “A estranheza que você sente é superada pelas vantagens em um dia chuvoso”, aconselhou o campeão do mundo pela Inglaterra. “Em dias chuvosos eu prefiro socar a bola e sem luvas isso é perigoso”, completou.


Banks usava luvas quando a Inglaterra venceu a Alemanha Ocidental em Wembley, na Copa de 66, e conquistou a Copa do Mundo. Na copa de 1970, ele usou um dos primeiros pares produzidos especialmente para goleiros no jogo contra o Brasil, onde fez famosa defesa em cabeçada de Pelé.


Embora ainda feitas de algodão, essas novas usadas por Banks apresentavam tiras de borracha trabalhada nos dedos e, em alguns casos, na palma da mão inteira (essa “borracha trabalhada” era parecida com o material que havia nas raquetes de tênis, que ajudam o atleta a jogar com segurança). Finalmente haviam luvas projetadas para ajudar um goleiro a segurar a bola! Elas rapidamente entraram nas lojas de esportes no início dos anos 70 e desapareciam rapidamente, pois os jovens queriam imitar seus heróis no parque mais próximo.


Antes do final da década de 70, a Sondico “meteu o pé na estrada” e começou a produção. O primeiro par personalizado apareceu no mercado quando o substituto de Banks, Peter Bonetti, colocou seu nome um par de luvas verdes e amarelas com um “B” no dorso delas. As luvas também começaram a aparecer com uma grande variedade de materiais à medida que os fabricantes procuravam produtos para todos os climas e condições, como espojas, toalhas, vários tipos de borracha para a palma, como borracha lisa, estriada, espinhada.


Enquanto isso, fora do Reino Unido, os fabricantes de produtos esportivos começaram a desenvolver luvas ainda mais personalizadas para os goleiros lá na década de 1960, baseando seus produtos em materiais para esqui alpino. A Uhlsport saiu na frente da produção em massa de uma linha de luvas especializada para goleiros profissionais e amadores. Em 1973, Gebhard Reusch (filho de Karl Reusch, fundador da marca), trabalhou ao lado do goleiro da Alemanha Ocidental e do Bayern de Munique, Sepp Maier, para desenvolver o que seu site afirma se a primeira luva de goleiro da história. Isso quase 100 anos depois que Archie Pinnell foi fotografado de luvas, caneleiras e boina!


Certo é que as luvas Reusch eram mais avançadas que as outras, utilizando pela primeira vez a palma em látex. Elas foram um sucesso instantâneo e ainda receberam um “upgrade” quando Sepp Maier venceu a Copa do Mundo de 1974 usando as luvas. Sem surpresa, a Reusch logo enfrentou a concorrência de marcas como Uhslport e Adidas, que também começaram a produzir luvas de goleiro à medida que a popularidade do produto e marcas se espalhava. Não demorou muito para que os goleiros na Inglaterra e na Escócia começassem a usá-las, porém a sua chegada foi um pouco tímida, com apenas dois goleiros recebendo o crédito pela introdução do equipamento em meados dos anos 70. São eles John Burrige, do Aston Villa, e Phill Parkes, do Queens Park Rangers.


Segundo o site theglovebag.com, Burridge adquiriu um par de Adidas Curkovic durante um torneio na Espanha com um goleiro Alemão que estava jogando a mesma competição. O inglês ficou tão impressionado que saiu e comprou um monte de luvas, quando retornou ao Villa Park, começou a vendê-las a outros goleiros, incluindo Pat Jennings e Peter Shilton. Coincidentemente, Parkes adquiriu seu primeiro par de maneira idêntica a Burridge, de um goleiro alemão durante um amistoso pré-temporada.


Parkes recebeu um parte de luvas com palma de látex para experimentar no segundo tempo de um jogo entre QPR e Borussia Mönchengladbach, em julho de 1975, de Wolfang Kleff, que era o goleiro do Borussia. Assim como Burridge, o goleiro do Rangers comprou mais pares e vendeu a seus colegas. No entanto, Parkes pensou um pouco maior e começou a negociar com Dave Holmes em 1979 para negociar luvas para goleiros de todos os níveis, iniciando uma companhia chamada Sukan Sports. A Sukan Sports se tornou a distribuidora oficial de luvas Uhlsport no Reino Unido, assinando com vários grandes nomes para atuar com embaixadores da marca, incluindo nomes como Joe Corrigan e Jimmy Rimmer, vendendo as luvas por correios e anunciando em revistas como a Shoot! e Match Weekly.


Apesar dos avanços da tecnologia, Rimmer destacou as deficiências das novas luvas em uma entrevista no ano de 1981. Uma mudança de clima podia custar caro. E ele, ex-goleiro do Arsenal e Aston Villa, confessou ter falhado em um gol pois a bola escorregou entre seus dedos por causa da condição gelada. Rimmer entrou em campo pelo resto de sua carreira sempre com oito pares diferentes para evitar repetir o erro.


Já no final da década de 80, era raro ver um goleiro entrar em campo sem luvas. Simon Farnworth, do Bolton Wanderes, tem a fama de ter sido o último goleiro a jogar sem luvas – no futebol inglês -, em 1986 contra o Bristol City, na final do Freight Rover Trophy, seu time perdeu por 3 a 0.


O desenvolvimento e evoluções continuaram acelerados nos anos noventa. Na época, o maior avanço da história das luvas foi a tecnologia “Fingersave”, da Adidas. Esses modelos se mostraram muito populares entre os goleiros da Premiership (antecessora da Premier League), incluindo Shay Given. Porém, nem todo mundo gostou. Embora a maioria dos goleiros concordou que ajudavam, prevenindo lesões, alguns goleiros, literalmente, lutavam contra as versões iniciais quando se tratava de realizar movimentos com os dedos, reclamando muito da falta de flexibilidade.


Com o passar do tempo, tornaram-se mais duráveis e passaram a ter mais aderência do que nunca em sua história, graças às novas fórmulas de látex das marcas. (como a atual Magnetic, que é empregada nas melhores luvas HO Soccer).


Novos cortes e moldes forneceram ainda mais opções, muito mais do que os goleiros dos anos 1970 poderiam imaginar. Luvas completamente acolchoadas, luvas com corte flat, luvas com corte negativo, rollfinger entre uma enorme variedade de cortes estão disponíveis online e em lojas de todos os lugares.


Contudo, apesar dos avanços de proteção, corte, palma e tudo o mais, as luvas de hoje em dia seguem o mesmo princípio de quando William Sykes patenteou seu primeiro protótipo, lá em 1885: Não importa o quão boas são as luvas, elas não vão te ajudar a manter o gol protegido por si sós.

 
 
 

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